Transdisciplinaridade e "Holomovimento Espelho D´alma"
II Congresso Holístico Internacional - 1989 - Belo Horizonte
Por Melinda Garcia
Transdisciplinaridade e Holomovimento: Espelho d'Alma "Holomovimento: Espelho d'Alma" é um livro sobre Arte tendo como base a Ciência. Sua abordagem reúne múltiplas disciplinas como a Psicologia, Religião, Tradição e Física Moderna e utiliza a linguagem estruturada por diversos cientistas e pensadores como Wilhelm Reich, Alexandre Lowen, Carl Jung, Teilhard de Chardin, Krishnamurti, Annick de Souzenelle, René Guénon, Fritjof Capra, Einstein, S. Hawking, David Bohm etc, para análise das obras de arte.
É importante esclarecer que o Holomovimento não trata "Arte pela Arte", isto é, não se ocupa com as escolas e seus "ismos", nem com a estrutura dos objetos, estilos, cores ou pinceladas. O interesse do Holomovimento, dentro desta pesquisa holística, em trânsito por diversas disciplinas, recai sob outra realidade. Considerando a arte e a criação como sucedâneo de uma experiência interior, não separa o artista da obra de arte por ele realizada, isto é, o observador do objeto por ele observado. Ao ver na criação um exercício transformador, portanto de transcendências, ocupa-se sim, com a estrutura do "movimento". Porquê S. Dali? Suas pinturas surgem como pano de fundo de um delicioso e farto banquete a alimentar este estudo, uma vez que o pintor dedicou-se à minuciosa tarefa de reproduzir fielmente seus próprios sonhos. Ao efetivar tal labor artístico em se aplicando constantemente a interrogar seu próprio inconsciente, Dali realizou verdadeiras psicografias, fazendo de seus quadros magníficos ecos despertados do inconsciente, nos quais podemos apurar onde, como e quando o artista está entrelaçado em sua própria obra. Neste sentido, as pinturas de Salvador Dali comportam-se como espelhos, em cuja reflexão estão enredados os diferentes planos do seu próprio ser, de sua consciência, de sua alma. Ao unir estes diversos espelhos pintados por Dali, obtemos um mapa da sua trajetória subjetiva de vida, no qual é possível diagnosticar, num primeiro estágio, os tipos psicológicos, a fragmentação psíquica, por conseguinte a psicossomática, com seus condicionamentos e conflitos sexuais, seus desafios emocionais, misteriosamente irracionais e profundamente inconscientes. Acabamos por constatar a forma pela qual suas pinturas funcionam como espelhos em cuja reflexão encontra-se o útil ferramental para o próprio aprimoramento e auto-conhecimento.
Na Arte surrealista de Dali, percebemos os movimentos da consciência agindo sobre o inconsciente. À semelhança de um processo alquímico no qual o criador, a criação e a criatura vão em conjunto se apurando, se purificando e se reintegrando, o artista, a vida, a obra e o cosmos, vão mutuamente se lapidando e dando nós em sua própria realidade para emergir, modificados. A consciência, por sua vez, atuando e agindo como o veículo de mutação, de metamorfose, de evolução, para a saída das situações de fragmentação psíquica (reintegrando intuição e instinto, pensamento e emoção), e dos conflitos psico-fisicos e/ou psico-somáticos (reintegrando os opostos complementares, masculino e feminino). Dali, ao final deste processo de evolução no qual caminha da dualidade para a unidade, para a síntese final, então, "enterra" definitivamente o Surrealismo e transcende para o Misticismo.
Nesta nova etapa surge o momento no qual o artista é conduzido ao aniquilamento da união mística, convergindo, às custas da força da gravidade, num curto-circuito psíquico e psico- físico, em que é desmaterializado. Dali, ao convergir luz, consolidar luz e espargir luz, fenômeno de singularidade no qual presencia a iluminação do seu próprio ser, terá reproduzido em si e realizado em si um horizonte de eventos, nos mesmos modelos do processo cósmico. Tal nos leva a concluir que a antimatéria, melhor dito, sua alma armazenada ao longo de todo este processo, resulta materializada. Enfim, de artista à estrela, Dali emerge a partir de nova consciência dada: a quadridimensional, como nova criatura auto-reflexiva e self-centrada; para a visão e configuração de uma nova realidade dada: a totalidade cósmica.
A dialética deste movimento a nos encaminha para uma solução final das fragmentações e conflitos, à realização da síntese, na qual resultamos harmoniosamente transformados e renascidos em paz interior, a nos revelar o verdadeiro sentido de vida, pode, finalmente e perfeitamente, ser contemplada através destes espelhos. Contudo, esta abordagem sobre o Holomovimento, não se restringe apenas às pinturas de Salvador Dali; algumas pinturas de Klee, Kandinsky, Picasso, surgem também, em de breves análises, pertinentes e complementares, todos para corroborar o fenômeno que antecipadamente ocorreu junto às minhas as próprias esculturas. No caso particular de minhas esculturas, o universo das imagens-símbolos que criei e organizei em estilos e fases diferentes, representam ao final a natureza fundamental, primordial. Como declaro em meu livro, as minhas esculturas de formas puramente orgânicas, mesmo viscerais, simbolizam a não separação do mundo interno e externo, num paralelismo harmonioso de formas entre o subjetivo e o cósmico; tais criações além de qualquer objeto formal, vão alcançar e decantar a matéria no seu estado transcendente. Sendo assim, passo agora, a batizar tais formas orgânicas também de "transesculturas", como sendo a representação da matéria em seu estado transcendente; além do que, encontrei na transdisciplinaridade a vocação deste discurso realizado dentro de extrema complexidade.
Contudo é lá no Holomovimento onde se encontra o início e o arremate final deste processo de evolução criativa. A ordem oculta no Holomovimento, nos ajusta à visão exata do real: orgânico, global, contínuo e ecológico. Assim, através desta disciplina que se chama "Arte", poderemos concordar não só com célebre frase de Einstein "Deus não joga dados com o Universo"; como com a teoria do Físico D. Bohm do "Holomovimento" a qual eu incorporei ao meu processo artístico criativo, para responder afirmativamente:- Sim, existe uma "ordem oculta que subjaz à toda criação manifesta", de onde, nos seus recessos mais íntimos, brotam a matéria e a consciência unificadas. Esta ordem harmoniosa e atemporal é irreversível, evolutiva e universal!
Melinda Garcia
Livro foi apresentado em palestra audiovisual no II Congresso Holístico Internacional em 1989, ano em que foi registrado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, publicado em 2001.