Visitando o Museu de Arte Moderna
Por Melinda Garcia - Matéria publicada na revista Ventura 2004 n° 45

Tive grande curiosidade de ir ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o MAM, visitar a exposição que está sendo apresentada, apenas atraída pelo título Arte Visceral, um pouco perplexa, por ter sido eu a primeira artista plástica do Brasil, e acredito no mundo, a desenvolver este gênero de trabalho desde 1985/6... portanto há 19 anos, e não ter sido sequer consultada sobre o assunto, agora lançado como grande novidade no meio da arte. Isto realmente é um contra-senso da direção do MAM, na medida em que nem de longe podem dizer que desconheciam meu pioneirismo relativo a este trabalho desenvolvido, publicado, exposto com grande sucesso desde então. Historiando um pouco, como foi que comecei este trabalho, eu percebia, então, quase que com absoluta certeza, que estava em um caminho inovador sobre o tema "arte visceral e/ou orgânica" que acabara de criar com grande entusiasmo e felicidade. Naturalmente eu precisava promover esta nova expressão de arte em desenvolvimento, e, entusiasmada como fazem todos os profissionais sérios, preparei-me para salvaguardar o ineditismo de minhas criações, elaborando um discurso multidisciplinar, baseado em leituras sobre a psicanálise, que formou modelos de pensamentos, assim como também pensadores religiosos, da física moderna, da arte do simbolismo, etc. Assim, os valores de análise e de interpretação do meu trabalho sempre estiveram fundamentados dentro do rigor da pesquisa científica através do qual, poderia eu defender a existências das minhas descobertas pessoais, uma vez que, considerava e ainda considero importante mostrar o estofo, registrar o conteúdo das minhas esculturas viscerais ou orgânicas, protegendo assim, o meu nome e a base das minhas contribuições artísticas. Trocando em miúdos, eu tinha medo de que o meu ineditismo criativo me fosse roubado! Dentro desta perspectiva, tentei publicar uma matéria para um jornal e, por volta de 1987, procurei o crítico de arte do jornal O Globo, Frederico Moraes. Tempos depois, fui ao Museu de Arte Moderna , quando lá estava Reinaldo Roels a quem propus a realização de uma palestra sobre o assunto, tendo como base a mesma palestra sobre arte que apresentei no simpósio científico: II Congresso Holístico Internacional -1987/88, em Belo Horizonte. Não fui bem sucedida em minhas iniciativas de divulgação, creio que em razão das esculturas orgânicas ou viscerais, por serem um tema muito novo e desconhecido da crítica de arte daquela época 1987/88, não interessando ou não ser plenamente compreendido. O crítico Frederico Moraes recusou-se a falar do meu trabalho, desprezando -o pelo fato de eu citar o nome de Deus em minhas teorias, e o Sr. Roels, de forma evasiva, alegou não ter visto no meu trabalho a relação com arte holográfica.

Destituído de preconceito, outro jornalista do O Globo em 29 de outubro de 1987, sensível à questão da necessidade preservar o pioneirismo das minhas idéias e criações, publicou a matéria intitulada "Em busca da emoção", falando das "entranhas expostas como em um corte cirúrgico, artérias, embriões, seres entre o animal e o vegetal, que evocam as esculturas e painéis tridimensionais em fibra de vidro, que a artista Melinda Garcia chama de"orgânicos".

No corpo daquela matéria, estava minha explicação de como tais esculturas surgiram:- "Arte é a forma de mostrar através do belo, o que se passa com homem. A expressão estética atual, minimalista e reducionista, mostra a exacerbação do racionalismo na cultura. Cérebro e emoção, geometria e intuição, coexistem no universo. Harmonia é o equilíbrio entre eles. Estamos vivendo, no entanto, sob o predomínio do racional. " É preciso fazer o caminho de volta, pois a repressão total da afetividade, da emoção, da consciência orgânica e cósmica, podem destruir o planeta"...."aprofundar meu trabalho, buscando encontro comigo mesma através dele". "Não era uma decisão intelectual, mas a necessidade apaixonada de dizer não à razão e sim à emoção; não à mente e sim ao corpo; não ao intencional e sim à inocência". Por outro lado, sempre tive a oportunidade de encontrar grandes e importantes personalidades que admiravam meu trabalho, e em sintonia com a minha forma de pensar, como Michel Random, ainda hoje atuando como um dos ícones da intelectualidade mundial. Filósofo francês, especialista nas relações entre arte, ciência e tradição, escritor, autor do livro - "L'Art Visionnaire" e consultor interveniente do I Congresso Holístico Internacional, realizado em 1987 em Brasília. Ao conhecer o meu novo trabalho que expunha pela primeira vez, neste mesmo congresso, partiu do próprio M. Random, o interesse em escrever uma apresentação sobre minhas esculturas orgânicas ou viscerais e, posteriormente de Paris, onde residia, enviou-me um texto belíssimo, intitulado:- "MELINDA, UMA ARTE QUE INTEGRA O HOMEM AO UNIVERSO, que foi publicado, em 1988, no catálogo da minha individual de esculturas realizada na Galeria Aktuel, no Rio de Janeiro, abrindo assim a primeira exposição individual sobre "arte visceral", orgânica, holística de que se tem notícia.

Uma das escultura, "Noosfera" de 1986, -é uma esfera representando o globo, a terra e, ao mesmo tempo, a esfera psíquica com calotas abertas, deixando entrever as dobras do cérebro . Esta obra é o símbolo da consciência reflexiva, quadridimensional e planetária e sua foto foi publicada no jornal O Globo, na época, pra divulgação desta exposição.

Transcrevo a seguir algumas frases do texto de Random :- "... A matriz da realidade é invisível, Melinda, porém, cria formas visíveis que evocam essa realidade, ou melhor, essa matriz invisível...é uma arte cujo gestual cria estados de ressonância interiores e exteriores. Uma arte que associa o homem à sua forma e o integra, pelo olhar e pela consciência, nesta dança da realidade..."

"Estar em ressonância, entrar em ressonância: é exatamente isso. As obras de Melinda são as novas antenas que captam e fazem vibrar o mundo da consciência e o mundo cósmico. Não somos, pois, nem um ponto nem uma linha, mas uma curva que se cria e que se gera sem fim...com Melinda , uma nova geração de criador surge: aquela que abre a visão do real, é uma nova e fascinante linguagem que nos leva a ver o universo e a nós mesmos, com novos olhos". Estou muito bem protegida e muito bem estruturada para me apresentar como a artista precursora de um movimento que finalmente sabemos, vem se alastrando, aparecendo mundialmente com importante destaque, a expressar-se por todas as áreas do conhecimento humano. Este movimento revolucionário teve início antecipadamente na Física Moderna, como exemplo, na contribuição de um dos seus ícones, David Bhom, com sua teoria do Holomovimento, supondo que, todo o movimento de formas orgânicas visíveis no universo manifesto, brota a partir de esferas do universo não manifesto, o qual tecem a matéria e a consciência unificadas. A elegante teoria de Bohm não deixa de ser uma fórmula indireta de falar de Deus e que eu incorporei ao meu trabalho artístico.

Este mesmo movimento se propagou com importante destaque na Informática, na Genética, na Agronomia, na Medicina, na Psicologia, e agora, também no que parece ser a mais nova ciência, a Neuropsicanálise como a matéria recentemente publicada no O Globo sob o título, " Freud tinha razão. Exames confirmam memória corporal", (20/ 6 / 2004)". A matéria fala da memória que não está armazenada no cérebro, mas da memória visceral, memória emocional, sobre a memória que está armazenada nos olhos, na boca, nas vísceras; descoberta feitas por neurocientistas em laboratórios de imagem de alta tecnologia, que publicaram o avanço de suas pesquisas, na revista " Scientific American ".

Versando sobre o assunto, estarei disponibilizando um texto em forma de psicanálise, sobre a pintura intitulada "Metamorfose de Narciso", extraído do meu livro de arte, intitulado, "Holomovimento: Espelho d' Alma", este, um tratado multidisciplinar, escrito para suporte às minhas esculturas, e cujo manuscrito está devidamente registrado, desde 1988, na Biblioteca Nacional.

A magnífica pintura "Metamorfose de Narciso", foi apresentada ao psicanalista Sigmund Freud, pelo próprio criador da tela, o pintor surrealista Salvador Dali, quando estes dois maiores gênios da intelectualidade mundial se encontraram. Para a indignação ou decepção de S. Dali, o pai da psicanálise não se interessou em argumentar sobre a tela, pois não percebeu nesta pintura, qualquer conteúdo relacionado ao inconsciente.

Nem tudo Freud explica! Mas, naquela época, as teorias psicanalíticas que poderiam ajudá-lo a identificar e desvendar os mistérios desta tela, eram embrionárias demais, estavam nos primórdios do nascimento. O tempo teria que transcorrer. Para Freud...era uma questão de tempo. Tempo e relatividade geral

Assim sendo, se Freud dialogasse com Einstein, este certamente o aconselharia a projetar -se, a viajar no tempo, à velocidade da luz como nós fazemos hoje, por exemplo, quando nos conectamos através da internet, instantaneamente nos informamos, sem importar a distância que nos encontramos dos nossos objetivos. Freud então, utilizaria as teorias já avançadas e prontas de um de seus discípulos, Willian Reich, que rompeu com ele para desenvolver novas pesquisas psicanalíticas, as quais ele buscava fundamentadas no soma, isto é corpo. Esta nova teoria, que aborda simultaneamente a dupla questão mente (psique) e corpo (soma), a psicossomática, ele denominou, Bioenergética.

Freud, enfim, poderia explicar a tela Metamorfose de Narciso ao observá-la, sob este novo ponto de vista. Portanto Einstein o aconselharia a aceitar que o que ele prescreveu em suas teorias: a importância do tempo. Não existe verdade absoluta, isto é, tudo é relativo, e na relatividade geral, o tempo tem que ser levado em consideração, uma vez que dele depende o importante ângulo de visão ou a posição do observador.

Malgrado as barreiras de construção do tempo, Metamorfose de Narciso, ou, o que dá no mesmo, Metamorfose de S.Dali, é um prato cheio e tão denso em conteúdos inconscientes, que deveríamos eleger a tela, como representante do mais perfeito e fidedigno quadro psicografado do complexo narcisístico, sobre o qual se deleitaria a nova Neuropsicanálise.

Na interpretação da tela, utilizando as teorias de W. Reich procuro demonstrar como o complexo narcisístico, um trauma psíquico que parece pertencer apenas à esfera mental, ao psiquismo, possui um correspondente comprometimento físico, atuando em forma de memória armazenada no soma, no corpo: nas mãos, nos pés, nos genitais, pertencendo de igual modo ao orgânico e ao visceral.

Interpretando um pouco o mito: Após passar tão longos anos a desejar inutilmente a imagem irreal e superficial si mesmo refletida no lago espelhado, Narciso, finalmente impotente, enxerga o malogro dos seus afetos inconscientes. Somente a partir de então, Narciso tem o insight necessário a reunir e liberar novas energias, para operar sua metamorfose e efetivar a sua cura. Narciso descarta-se então do velho homem, incorpora a sã identidade numa nova criatura. Diria que ao mergulhar no lago, melhor dito, no inconsciente de si mesmo, Narciso efetua um salto quântico, cósmico, um up grade evoluindo no seu nível de consciência e visão.

Voltando ao assunto exposição do MAM "Arte visceral" provo ser de minha primazia, tenho amplas matérias publicadas, como a reportagem em1987, no n° 4, da revista de arte Ventura, além de muitas outras manifestações a respaldar a veracidade deste depoimento. . Algumas obras do gênero foram inclusive instaladas em prédios de alta classe do Rio de Janeiro; como por exemplo nos halls sociais do Ed. Stradivárius, do Ed. Leblon Inn, etc. Publiquei fotos de trabalhos orgânicos nos mais importantes jornais, dei palestras sobre o assunto como no Planetário da Gávea, na UFRJ, em congressos, entrevistas para o programa de TV, "Arte com Sérgio Brito", editei e publiquei um livro que mereceu, há dois anos, uma resenha do pisicólogo e escritor, Joel Macedo, publicada no Caderno Idéias do Jornal do Brasil. Assim sendo, venho ao longo de todos estes dezoito anos, divulgando constantemente a visualidade desta nova estética. Em 1996, portanto há oito anos, fui a artista precursora a inaugurar uma página pessoal na internet e desde então, divulgo internacionalmente pela rede, fotos e manifestos.

Até aqui, estive concentrada em responder à várias perguntas e quero, numa brincadeirinha, colocá-las diante do leitor inteligente para testar se, atento, ele reponde prontamente: O que é Arte Visceral? Quando, pela primeira vez, ela surgiu? Como ela desabrochou no seu processo criativo? Como foi aceita? Quem a acolheu no seu nascimento? Onde foi exposta pela primeira vez e onde continua constantemente sendo vista? Quais os grupos aos quais, enquanto teoria e pesquisa criativa, ela pertence? Porquê os curadores ou críticos que sempre ignoraram e se esqueceram da Arte Visceral vêm agora se outorgar direitos sobre este tema, o título, e obra, como se eu não existisse como artista?

Porquê o MAM ao realizar hoje a exposição "Arte Visceral",exime-se de divulgar este tipo de obra que é de minha propriedade intelectual e de meu pioneirismo criativo?

Porquê seus organizadores quiseram enquadrar a maioria dos artistas lá expostos, como produtores de "Arte Visceral", o que é falso?

Porquê, agindo assim, seus organizadores acreditam que o público é insensível ao ponto de acreditar que, quem resvalou pelo terreno do visceral, realizando acidentalmente uma, no máximo duas obras, se envolvendo com o tema, pertence ao gênero?

Porquê enquadrar Barrio como pertencentes à produção de Arte Visceral?

Porquê os organizadores desta exposição não percebem o que todo mundo percebe, que a única artista que cria "recentemente" arte visceral Adriana Varejão?

Ao deixar esta exposição, vejo como as minhas esculturas, passam ao largo do Museu. Mas igualmente estão longe, ausentes deste meio, minha alma, minhas performances, meu coração.

Passo longe da fórmula como atuam os críticos, curadores e marchands, dentro de um mercado que envolve somas astronômicas, envolvendo bilhões. Ao realizar esta exposição, o museu com toda sua instituição, atualiza tristemente sua posição de "inteligência produtora da "avant-gard" cultural", assim como pretende atualizar também a promoção de determinados artistas, mesmo que praticando boicotes, que alcançam criminosas proporções, especialmente no não reconhecimento de definidos direitos intelectuais criativos como os meus.

Melinda Garcia